David Coimbra
zh - 17/05/2006
De quem é toda a culpaQuem é culpado por existirem tantos chatos no mundo? Sim, porque existe um culpado. Ou culpadas: as mães. As mães acham bonitinho tudo que seus pequenos rebentos fazem. E os rebentos acreditam! Depois, quando crescem, seguem fazendo as mesmas chatices da infância, falam alto, embirram, tentam se salientar em qualquer ambiente, perguntam coisas, perguntam, perguntam, perguntam. Chatos.
O que eles, os chatos, podem fazer a respeito? Nada. Na cabeça deles, está registrado que aquele comportamento insistente, repetitivo, espaçoso, aquele comportamento sempre estrepitoso, funciona.
Há poucos dias mesmo, lá estava eu, desprevenido, copo de cerveja em punho, numa festa. Então o vi, um desses exemplares que abundam pelo planeta. Um chato. Mas não se tratava de um chato comum. Era um grande chato. Ele olhava na minha direção, o que me provocou um estremecimento de horror. Virei a cabeça para um lado e para o outro, desesperado, à procura de salvação, de uma rota de fuga, uma janela pela qual pudesse me atirar, sei lá. Mas aí cometi um erro primário, um erro de iniciante: olhei-o nos olhos. Preste atenção: jamais, JAMAIS!, deve-se olhar um chato ou um bêbado nos olhos. Eles entendem a troca de olhares como um convite e vêm.
Pois o chato, esse, veio. E eu não tinha como fugir.
Me deu uma angústia. Mas uma angústia, uma angústia, uma angústia... Sabia que pelos próximos muitos minutos eu seria chateado sem clemência, que todas as pessoas da festa me veriam sendo chateado e que ninguém viria me ajudar. Ao contrário: ririam de mim.
Não existe solidariedade neste mundo. Quando ele estacou na minha frente, eu já tinha um paralelepípedo no meu peito. Ele levantou os braços, sorrindo sempre, e gritou.
Alto.
Gritou bem alto:
- Viva o Inter!
Tentei sorrir. Mas não muito. Não queria estimulá-lo, a idéia era apenas enviar um sorriso que comunicasse: "Ah, entendi, viva o Inter, boa brincadeira, que legal, rá, rá". De repente ele compreenderia e desistiria de me chatear. Mas, não. Um verdadeiro chato nunca desiste. Ele agora saltava e gritava ritmado, como se estivesse na arquibancada:
- Inter, Inter, Inter!
Os outros olhavam, divertidos. Comecei a dizer que ia ao banheiro, mas ele não permitiu. Puxou-me pelo braço, sacou uma carteirinha do bolso e a brandiu diante de mim:
- Sócio! Sócio colorado! Eu amo o Inter! - beijou a carteirinha. - Amo! Amooooo!
Ama muito o Inter, esse cara.
Foi a custo que consegui convencê-lo de que eu PRECISAVA ir ao banheiro. Fiquei lá, dando um tempo. Saí cautelosamente, espiando para a esquerda e para a direita. Ele não estava nas cercanias. Encontrei uma roda de amigos e me homiziei nela com um suspiro de alívio. O garçom encheu meu copo. Bebi um gole, sorrindo novamente, e senti uma batida no ombro. Fiquei paralisado. Um arrepio ergueu os pelinhos da minha nunca e fez-me contrair os dedos dos pés. Não ousava me virar. Nova batidinha no ombro. Então, girei o pescoço devagar, bem devagar... e... não era ele! Era um sujeito que eu não conhecia. Que sorria com todos os dentes, uns 60. Perguntou se me conhecia da TV. Respondi que sim, e nem me incomodei, não tenho nenhum problema com abordagens de pessoas que não me conhecem. Mas aí ele abriu um botão da camisa e disse:
- Que tal o Gremão?
- Hein?
- O Gremão! O Gremacho! O campeão gaúcho! O campeão do mundo! - e, debaixo da camisa, lá estava a famosa camiseta preta do Grêmio. - Que tal, hein?! - prosseguiu ele, falando alto. Muito alto. - O que tu acha? Hein? Hein? Que tal? Grêêêêmioooo...
Senti uma laranja presa no gogó. E pensei nas mães. É tudo culpa das mães.